Tenho observado que as queixas ligadas à dificuldade de dormir são cada vez mais frequentes. Paralelamente, tenho ficado alarmada com a banalidade com que remédios para dormir estão sendo utilizados.
Há algum tempo, ouvi uma conversa entre adolescentes, em seus uniformes de colégio, o que me fez supor que tinham entre 15 e 17 anos, 18 no máximo. Eu fiquei aterrorizada. Um deles disse que não andava dormindo direito e que estava tomando um determinado remédio. O outro acrescentou de imediato: Você esta tomando esse? Eu estou tomando aquele outro assim assado.
Por motivos óbvios não direi os nomes dos respectivos medicamentos, porém uma coisa posso dizer: ambos eram tarja preta.
Eu não podia acreditar no que eu estava ouvindo. Olhei
algumas vezes para confirmar a suposição de idades que eu estava fazendo. E... realmente... eram meninos. Eram mesmo alunos de escola, no máximo cursando
o ensino médio, e já estavam com uma prosa tão... tão... tão...
Estou sem palavras.
Ou melhor, estou com muitas palavras em meus pensamentos que
estão me deixando escandalizada: era uma
prosa tão envelhecida, tão perigosa, tão explicitadora de uma realidade
preocupante.
Quanto às medicações de tarja preta, farei um pequeno parênteses:
São os medicamentos que exercem ação sedativa ou que ativam o sistema nervoso central, portanto também fazem parte dos chamados psicotrópicos. Só podem ser vendidos com receituário especial de cor azul. Na tarja vem impresso "venda sob prescrição médica - o abuso deste medicamento pode causar dependência".
Fonte: http://www.abet.com.br/portal/f_associado.jsp?p=/abet_informa/195/medicamento.htm
Traduzindo: teoricamente, esses medicamentos precisam de prescrição especializada; são vendidos apenas com receita, que fica retida na farmácia, e; apresentam elevado potencial de dependência química.
Só esses elementos já dão base para muitas considerações, porém não vamos entrar nesse mérito agora.
Voltando à questão do sono, cabem outras tantas reflexões e
investigações, por exemplo:
- Até que ponto o sono induzido por medicações é realmente reparador?
- O que realmente esta por traz dessa falta de sono?
- Até que ponto as pessoas estão realmente fazendo algo pela qualidade de seu próprio sono? E o que estão fazendo?
- Até que ponto as pessoas estão delegando para outros (incluo nesse outros as medicações) suas responsabilidades com o próprio bem estar e qualidade de vida?
- O sono ou a falta dele são referenciais importantes para se detectar algumas patologias. Até que ponto o uso abusivo desses medicamentos esta mascarando sintomas importantes que poderiam ajudar a identificar patologias mais graves, antes delas precisarem chegar a um grau mais preocupante?
Caminhando mais um pouco e vendo a questão por outro lado, deparamos com mais uma realidade
complicada: nós brasileiros, com a maior
das boas intenções, temos o costume de indicar um remedinho aqui outro ali. Essa
é uma postura quase cultural.
Nesse ponto, cabe considerar a bagagem que carregamos da
história da saúde pública brasileira: boa parte dela foi financiada por
laboratórios, especialmente no pós Segunda Guerra Mundial. É claro que isso deixa marcas nas condutas,
crenças e opções de um povo.
Obviamente, isso não justifica, mas evidencia.
Somos fruto da interação de muitas experiências, da mesma
maneira, a forma como lidamos com nossas questões, inclusive o sono, também perpassa por essas interações; também passa pela bagagem que adquirimos consciente
ou inconscientemente.
Tenho observado, com bastante freqüência, que as pessoas, no
geral, nem consideram outras possibilidades que não seja o "remedinho".
Mas olha, existem inúmeras!!!
Com certeza, a área medicamentosa não é a minha praia; mas meditação, massagem, exercício.. são é por aí existem várias possibilidades de se conquistar um sono de qualidade: a prática e a ciência compravam isso.
É necessário resgatar a competência do “corpo”, a escuta do “corpo”,
a validação das informações que o “corpo” traz.
Coloco corpo entre aspas porque, para mim, “corpo” é a
resultante da interação entre físico, mental, emocional e espiritual.
Sim, é possível conquistar a
melhoria da qualidade do sono pela estimulação da sabedoria do “corpo”. Seja via sua escuta no "aqui e agora" como na meditação; seja na qualificação do toque, como na massagem; seja numa prática regular da atividade física; seja nos cuidados com a alimentação; seja na atenção aos horários; seja pela consciência dos "chamados" que o corpo expressa.
Da mesma forma, é importante também que outros
elementos sejam revistos: sedentarismo; uso inapropriado e exagerado de celulares, computadores internet; prolongamento das atividades diurnas para o interior da noite; cuidados com o espaço de dormir; reorganização e priorização das atividades diárias; valorização do autocuidado; desaceleração; redução da sobrecarga de atividades; respeito às pausas para descanso; dentre outras tantas.
A qualidade do sono da noite começa ao
despertar. Alguns elementos precisam ser observados, outros transformados e
outros tantos inseridos no dia a dia.
A qualidade do sono é a resultante de realizações e "cuidados" cotidianos e não uma conquista mágica e eventual, concedida por esse ou aquele
elemento externo ao indivíduo.
Para um melhor sono é necessário rever todo um conjunto de
coisas: alguns conceitos, algumas práticas, alguns costumes, algumas posturas,
alguns valores, algumas prioridades...
Enfim, pensar sobre a qualidade do sono,
num sentido mais amplo e eficaz, é pensar a vida, ou melhor, é pensar o estar
na vida.
Cada um tem o seu caminho, a partir da sua bagagem. Se será
necessário ou não o uso de medicação só
a história de cada um para dizer. Mais
do que isso, se for necessário tomar algum remédio que ele seja tomado, de
acordo com a indicação competente e considerando-se inúmeras variáveis e outras tantas possibilidades.
Medicações podem ser necessárias sim, dependendo do
caso. Mas o medicamento não pode ser a primeira opção, tampouco a única. Existem outras. Alguns talvez sejam mais simples, menos tecnológicas, mas nem por isso, pouco importantes ou eficazes.
Maria Tereza Naves Agrello
psicóloga, professora de educação física e massoterapeuta
crp-mg: 13.506 e mec-lp: 3047